De Wuhan, o epicentro inicial da pandemia do coronavírus, foi reportada uma forte associação entre doenças cardíacas preexistentes e como os pacientes se comportaram ao serem infectados pela COVID-19. De fato, metade daqueles que morreram apresentavam uma doença cardiovascular, sendo hipertensão (pressão sanguínea alta) o achado mais comum (30%).[1]
Quando a epidemia saiu da China e começou a atravessar o mundo todo, os motivos para essa associação foram rapidamente investigados, produzindo alguns resultados preliminares interessantes. Aparentemente não apenas pacientes com doença cardiovascular apresentam piora, como também estão mais suscetíveis a infecção pelo COVID-19.[2, 3] Ademais, há uma forte evidência de que, após passar pelos pulmões, o vírus acaba atacando diretamente o coração.[4-6]
Além das pesquisas sobre como o vírus danifica o coração, estudos clínicos também começaram a avaliar possíveis respostas terapêuticas. Um exemplo disso é o uso da hidroxicloroquina e cloroquina administradas em altas doses com azitromicina. Na sexta-feira (24 de abril de 2020), a FDA emitiu uma advertência contra seu uso para COVID-19 “fora do ambiente hospitalar ou de testes clínicos, devido ao risco de problemas de arritmia cardíaca. Nestes casos, uma supervisão é fortemente recomendada.”
A GE Healthcare Insights se reuniu com Paul A. Friedman, M.D., diretor de Medicina Cardiovascular na Mayo Clinic, para obter um melhor entendimento desses achados.
P: Como um médico pode obter uma melhor perspectiva de um paciente com COVID-19 com base em seus sintomas?
Paul A. Friedman, M.D.: A maioria das pessoas contaminadas pela COVID-19 irão apresentar sintomas respiratórios, como tosse ou falta de ar, no entanto há uma minoria que irá apresentar sintomas que podem imitar um infarto.
Assim, se alguma pessoa apresentar sintomas que envolvam o coração, o médico deverá solicitar um ECG, ou um registro da atividade elétrica do coração, uma vez que um ECG é bem fácil de ser realizado, rápido e não requer treinamento altamente especializado, e ainda revela muitas informações sobre o coração. Ele pode nos informar se a pessoa está tendo um infarto, se há alguma artéria obstruída ou se há um distúrbio de arritmia.
Também há outro motivo para a realização do ECG que é registrar o intervalo de QT.
P: O que é um intervalo QT e por que é importante?
Paul A. Friedman, M.D.: O intervalo de QT é um recurso do ECG relacionado a quanto tempo é necessário para que o coração recarregue. Em outras palavras, ele mede o tempo que leva para que o coração esteja preparado eletricamente para a próxima descarga e contração. À medida em que o intervalo de QT fica mais longo - digamos superior a metade de um segundo - ele gera um ambiente onde o coração pode ficar eletricamente instável. Isso pode fazer com que o coração não se contraia mais adequadamente. Em vez disso, o coração fibrila. Isso pode levar a morte súbita ou parada cardíaca.
P: Por que o intervalo QT é importante em pacientes com COVID-19?
Paul A. Friedman, M.D.: Há dois motivos para isso. Alguns dos medicamentos que podemos usar para tratar os pacientes com COVID-19 podem prolongar o intervalo QT. Também descobriu-se que pacientes com COVID-19 tendem a ter um QT mais prolongado do que aqueles que não adquiriram a doença.
P: Quais medicamentos usados para tratar pacientes com COVID-19 podem potencialmente impactar no coração?
Paul A. Friedman, M.D.: Uma pequena população poderá ser prejudicada por medicações específicas usadas no tratamento da COVID-19, incluindo hidroxicloroquina e Zitromax – ou azitromicina -- porque esses medicamentos têm demostrado prolongar o intervalo QT. Esses medicamentos têm sido usados de maneira eficiente para combater outros vírus, mas ainda há alguns testes clínicos sendo realizados para determinar quais medicamentos são os melhores para a COVID-19.
Assim, o ECG pode exercer um papel altamente valioso na identificação de um pequeno grupo de pessoas com risco de problemas graves. Na maioria das pessoas, o uso desses medicamentos é provavelmente seguro.
P: Recentemente, a FDA emitiu uma advertência sobre o uso desses medicamentos. Como isso irá mudar as coisas na Mayo Clinic?
Paul A. Friedman, M.D.: Para a Mayo, não muda nada. Nós sempre usamos o ECG para verificar o intervalo QT antes de utilizar medicamentos que sabidamente prolongam o QT e causam Torsade de Pointes, uma arritmia que pode causar morte.
Vejamos. A FDA não disse para não usar esses medicamentos. Disse para ficarmos atentos quanto a isso. Medir o intervalo QT antes do uso e subsequentemente depois de eles serem administrados para verificar se há uma alteração significativa. Também, devido ao risco de arritmias, a FDA recomendou o uso dessa terapia em ambientes hospitalares ou estudos clínicos.
Fontes:
- Zhou, F., et al., Evolução clínica e fatores de risco para mortalidade de pacientes hospitalizados com COVID-19 em Wuhan, China: um estudo de coorte retrospectivo. Lancet, 2020. 395(10229): p. 1054-1062.
- Fang, L., G. Karakiulakis, e M. Roth, Os pacientes com hipertensão e diabetes mellitus têm aumento no risco por infecção por COVID-19? The Lancet Respiratory Medicine, 2020. 8(4): p. e21.
- Driggin, E., et al., Considerações Cardiovascular para Pacientes, Profissionais da Saúde e Sistemas de Saúde Durante a Pandemia da Doença do Coronavírus 2019 (COVID-19). Journal of the American College of Cardiology, 2020: p. 27204.
- Shi, S., et al., Associação de Lesão Cardíaca com Mortalidade em Pacientes Hospitalizados com COVID-19 em Wuhan, China. JAMA Cardiology, 2020.
- Fox, S.E., et al., Patologia Pulmonar e Cardíaca em Covid-19: A Primeira Série de Autópsias de New Orleans. medRxiv, 2020: p. 2020.04.06.20050575.
- Bansal, M., Doença cardiovascular e COVID-19. Sindr. de Metab. da Diabetes, 2020. 14(3): p. 247-250.
